domingo, 27 de março de 2011

Crónica de um drama paralelo (FIM)

A1, auto-estrada do Norte Porto/Lisboa,
O temporal alastrava-se por todo o país e lá fora havia pessoas que já tinham tomado precauções, não fosse acontecer a mesma tragédia que assolou a Madeira acerca de uma semana atrás. Mas André dos Reis, que examinava o temporal da janela, julgou-se capaz de o enfrentar em vez de aquela gota que caía do ar condicionado. Enquanto os risos agora acalmavam, imaginou se seria muito ridículo abrir um guarda-chuva por cima da sua cabeça e não quis fazer a experiência. Não viu o mesmo inconveniente, puxou de novo a cortina e estendeu-a para a muleta, sem sucesso e um risinho soltou-se. O Iphone tocava, André dos Reis atendeu mas depressa deixou-o cair quando uma gota fulminante o tinha acertado em cheio no remoinho do cabelo e cobria a cabeça como se fosse alvo de um ataque aéreo ameaçador e indefeso. As raparigas soltaram risos atrás de risos e o executivo, indignado, reprovou-as com o olhar. Tinha sido a “gota de água”.


Santiago,
“Pensei que tinha rebentado um pneu... Mas depois vi que a auto-estrada se mexia como uma folha de papel e percebi que era muito pior”, disse um homem citado pela Reuters.
Na sequência deste forte abalo sísmico, um dos maiores de sempre, equiparável ao que em 1755 destruiu a Baixa lisboeta, desencadeou-se um tsunami que colocou em estado de alerta a Polinésia Francesa, o Havai e outras regiões da área do Pacífico.


A1, auto-estrada do Norte Porto/Lisboa,
A viagem prolongava-se, ao fim de duas horas, com outras gotas provenientes do ar condicionado e com mais risos vindos do banco detrás de André dos Reis. Sentia-se agredido e desonrado. Desejou que as meninas impertinentes tivessem conhecimento do homem do seu currículo, mas provavelmente as miseráveis nem iriam entender o respeito e a consideração que se deve ter por alguém do seu estatuto.
Um passageiro, vindo lá do fundo, deslocava-se do seu banco até ao motorista. André dos Reis interessou-se pelo diálogo quando ouviu a queixa do civil a propósito do ar condicionado e sentiu o seu orgulho restituído, afinal não era caso único e não se conteve em olhar para trás e sorrir em paz consigo próprio. Mais outro passageiro atravessava o corredor e sentou-se nas escadas do autocarro com um jornal para assentar por debaixo. Mais uma gota estatelou-se e André dos Reis afastou-a com a mão suavemente da sua pasta.


Santiago,
A 1 de Março, já estavam confirmados 711 mortos na sequência do sismo. A cidade esteve a saque depois do sismo e mais militares entraram no terreno para impor a ordem.
A 4 de Março, um sismo com magnitude 6,1 na escala de Richter abalou a capital do Chile, quatro dias após o sismo com magnitude 8,8, que provocou a morte de mais de 800 pessoas, anunciou o Instituto de geofísica norte-americano (USGS).
O Chile já foi abalado por cerca de 150 fortes réplicas desde sábado.
A juntar a este sismo, ocorreu na ilha de Okinawa, no Japão, um sismo de magnitude sete, outro na Argentina de 6,3 e teve epicentro perto de Salta a mais de 1200 km da capital, Buenos Aires. Ainda no dia anterior ao sismo do Chile, um sismo de mais fraca intensidade assustou os habitantes de Ica no Peru, abalo que registou 4,2 na escala de Richter mas a população correu para as ruas procurando ficar a salvo.

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